Trabalho de pesquisa apresentado ao curso de Licenciatura em Música da
Faculdade Nazarena do Brasil como parte dos créditos exigidos na disciplina de História
da Música II sob a orientação da Profª. Nívia Zumpano.
INTRODUÇÃO
O
Classicismo tem sua representação máxima nas obras dos três grandes
compositores que viveram num momento e espaço em comum, Viena. Haydn, Mozart, e
Beethoven, aqui relacionados desta forma pura e simplesmente pela ordem
cronológica de nascimento, e não em ordem de valor.
Escolhemos definir um único aspecto
neste trabalho de pesquisa, que foi levantar dados biográficos e históricos
desses três gênios musicais, sem entrar em análises de formas ou técnicas de
composição. Ainda dentro do aspecto biográfico, nosso foco foi trazer aspectos
principalmente de suas infâncias, que possivelmente marcaram suas
características, como a simplicidade da família de Haydn, o perfeccionismo de
Leopold Mozart e a ansiedade avassaladora do pai de Beethoven.
Tentamos facilitar o entendimento
desses aspectos comparando a linha de tempo de suas vidas como uma forma
sonata. Inicialmente, a Exposição de quem são, com o princípio de suas vidas
como o primeiro tema na Tônica. As experiências que lhes marcaram a vida, o
segundo tema na Dominante. Sua história, o Desenvolvimento, tenha sido ele
livre ou não, mas sempre trazendo as lembranças de quem são. E já no fim de
suas vidas, longas ou curtas, com o acúmulo de experiências, alegrias e
dissabores, Recapitulam-se todos os temas na Tônica da vida, que nunca deixou
de existir.
HAYDN
Franz Joseph Haydn (31 de março de 1732
– 31 de maio de 1809) veio de uma família de artesãos. Seu pai, Matthias Haydn,
era fabricante de roda de carros e sua mãe, Maria Koller, era cozinheira. Dos
doze filhos do casal, Joseph era o segundo, e seu irmão Michael era o sexto.
Iniciou sua vida musical como menino de coro na catedral de Viena, onde
aprendeu a tocar vários instrumentos e adquiriu mais conhecimentos musicais.
Segundo Candé (2001, p. 612), o menino destacava-se “por suas travessuras.
Depois da muda de voz, suas habituais brincadeiras forneceram um bom pretexto
para sua expulsão”. Em 1749, com praticamente 18 anos, Haydn ficou sem trabalho
e viveu na miséria, chegando a morar na rua, passando a tocar em tavernas e em
serenatas de rua.
Como autodidata, estudou teoria
musical e composição, principalmente através das obras de Carl Phillip Emmanuel
Bach e, introduzindo-se nos meios intelectuais, passou, a partir de 1753, a ser
secretário e acompanhante das aulas de canto dadas por Niccolò Porpora, que lhe
ensinou os fundamentos da composição. Conheceu, então, o barão Karl Joseph von
Fürnberg, um nobre amante de música, para cujos instrumentistas escreveu seus
primeiros Quartetos para Cordas. Em 1758, através de uma recomendação de von
Fürnberg, Haydn passou a compor para a orquestra particular do conde boêmio
Ferdinand Maximilian von Morzin, onde recebeu seu primeiro cargo importante,
como Kapellmeister. Dirigindo a
orquestra de câmara do conde, escreveu suas primeiras sinfonias. Além dessa função,
Haydn torna-se professor de música, época em que se apaixona pela filha de um
peruqueiro, Theresa Keller, que já estava destinada ao convento. Acabou então se
casando com sua irmã, Maria Anna Keller. Desta época, e desse casamento, conta
Carpeaux:
Livrou-o
da pior miséria o casamento com uma filha de pequeno-burguês vienense; mas a
incompatibilidade de gênios condenou esse casamento a um fracasso doloroso,
verdadeiro martírio vitalício do músico, embora vivesse separado da mulher.
(2005, p. 144)
Sobre seu casamento, ainda, Lovelock
acrescenta:
É
extraordinário que Haydn, casado com uma megera que, como ele mesmo disse, “não
queria saber se o marido era um artista ou um sapateiro”, pôde escrever tanta
música de natureza feliz e descuidada. Como compositor, deve ter sido capaz de
encerrar-se num mundo mental unicamente seu. (2001, p. 178)
Não demorou muito tempo até ser
convidado a prestar serviços para o príncipe Nikolaus Esterházy, de uma das
mais importantes famílias húngaras. Ali foi diretor de um conjunto de quinze a
vinte músicos, com responsabilidade sobre a música e os instrumentos, devendo
compor sempre que o principie o solicitasse e somente para ele. Segundo o
Dicionário Grove de Música (1994, p. 416) “Haydn só podia escrever para outros
que não os Esterházy mediante permissão”, embora recebesse encorajamento para
escrever como sentisse e desejasse. Separado da mulher, Haydn passou a viver no
palácio de Esterházy, onde conheceu Luigia Polzelli, de quem se tornou amante.
Karl Geringer, em seu livro Haydn: a
criative life in music, explica a importância deste episódio.
Luigia
Polzelli foi uma soprano Italiana, que cantou na corte de Esterházy na Hungria durante
o final do século 18. Ela foi durante muitos anos a amante do compositor Joseph
Haydn.
Polzelli
chegou à corte de Esterházy com seu marido Antonio em 1779. Ela logo se revelou
uma cantora particularmente incapaz. Mais ainda, seu marido podia cantar muito
menos, pois estava nos estágios iniciais de uma morte lenta de tuberculosa. O príncipe,
Nikolaus Esterházy era um grande conhecedor de opera que estava bem
familiarizado com a alta qualidade vocal, e reconhecendo o quanto eram
medíocres ele logo decidiu a dispensá-los. No entanto, naquele tempo surgiu a
história de que aquela Polzelli tornara-se amante de Haydn, que tinha um
péssimo relacionamento com sua esposa quase que desde o começo de seu
casamento. O Príncipe, que valorizava imensamente os serviços de Haydn,
aparentemente concordou em manter os Polzellis na lista de pagamento. (Este não
era o primeiro favor feito a Haydn: o Príncipe havia anteriormente concordado
(1766) em manter o irmão mais novo do compositor, Johann Evangelist Haydn, que
também era um cantor medíocre, na lista de pagamento).
O
relacionamento entre Haydn e Polzelli continuou por mais de dez anos, até
depois da morte de Antonio em 1790, eventualmente esfriando depois que Haydn
escolheu não levar Luigia consigo em sua primeira viagem a Londres em 1791.
Polzelli
é de importância para a biografia de Haydn, já que um número de cartas para ela
está preservado, contendo informações sobre o compositor.[1]
Enquanto ainda morava em Esterházy,
Haydn fez algumas curtas viagens a Viena, fazendo amizade com os Mozarts, e
sendo iniciado na maçonaria sob a influência de Leopold Mozart. Essa amizade também
influenciou sutilmente suas obras posteriores. Sobre o encontro com Mozart,
Candé cita a Carta à Ópera de Praga, de 1787, de Haydn:
Pode-se
dificilmente fazer boa figura ao lado do grande Mozart. Se eu pudesse imprimir
na alma de cada amante da música, principalmente na dos grandes deste mundo, o
que compreendo e o que sinto diante dos inimitáveis trabalhos de Mozart, as
nações rivalizariam para possuir tal joia dentro de suas fronteiras...
Censuro-me pelo fato de Mozart, esse ser único, ainda não estar ligado a uma
corte imperial ou real! Desculpai-me por ter esquecido o tema da minha carta,
mas amo esse homem. (2005, p. 144)
Quando o príncipe morreu, em 1790,
os músicos da corte de Esterházy foram demitidos. Haydn, entretanto foi mantido
no palácio, mas com a liberdade de morar em Viena e também de viajar, aceitando
um convite do empresário J. P. Salomon para ir a Londres, onde lhe encomendou
12 sinfonias, as chamadas Sinfonias Salomon, ou Sinfonias de Londres, obras que
deixaram em evidência a maturidade do agora grande mestre. Em 5 de dezembro de
1791, quando morreu Mozart, Haydn, que ainda se encontrava em Londres, passou a
figurar como o maior músico compositor da Áustria, e em Viena o consideravam
como o sucessor daquele gênio. No verão do ano seguinte, Haydn passou em Bonn
para visitar o Eleitor Leopold II, quando teve um encontro com Ludwig von
Beethoven. Nessa ocasião, o músico alemão de apenas 21 anos, executou duas
cantatas que havia composto por solicitação de pessoas de destaque do meio
cultural. Freitas Neto (2008) conta que isso foi o suficiente para que Haydn
tivesse uma excelente impressão da capacidade de Beethoven, propondo a tê-lo
como aluno caso decidisse residir em Viena. Ao voltar, Haydn passou a morar em
Viena, onde permaneceu até sua morte em 1809, como Lovelock (2001, p. 178)
ressalta, “famoso e homenageado em toda a Europa”. Numa cerimônia, em 15 de
junho de 1809, o Requiem de Mozart
foi executado em sua memória.
MOZART
Joannes Chrysostomus Wolfgangus
Theophilus Mozart, ou simplesmente Wolfgang Amadeus Mozart, (27 de janeiro de
1756 – 5 de dezembro de 1791) era o sétimo e filho caçula de Leopold Mozart e
Anna Maria Pertl. De todos os filhos, somente ele e sua irmã Maria Anna,
sobreviveram à infância. Leopold, que já era conhecido como compositor e
violinista, deu ao casal de filhos uma educação minuciosa, inevitavelmente
centrada na música. Desde os três anos, assistindo às aulas de cravo da irmã,
que também era musicalmente dotada, o pequeno Mozart mostrou seu talento
musical desde cedo, procurando no teclado “as notas que se amam”, e aos cinco
anos já estava compondo minuetos. Aos 6 anos de idade, os dois irmãos
percorreram toda a Europa até a Inglaterra como crianças prodígios, e Mozart
assombrou as plateias com seus dotes precoces. Leopold inseriu Mozart no
mercado musical como uma força adicional de trabalho e fonte de obtenção de
riqueza – o que era comum na época.
Nos vinte anos que se seguiram,
Mozart viajou muito, e em cada lugar que ia escrevia obras musicais, como
óperas, serenatas e sinfonias. Lord e Sneldon (2008, p. 46) concluem que “o
contacto (sic) com diferentes músicas e os encontros com outros compositores,
em particular com Johann Christian Bach, influenciaram o estilo que vinha desenvolvendo”.
De 1774 a 1777, viveu em Salzburgo, trabalhando como konzertmeister na corte do príncipe-arcebispo, porém via suas
oportunidades limitadas. Embora Salzburgo fosse uma cidade importantíssima para
os amantes da música, em nada se comparava ao ar cosmopolita da capital do
império, Viena. Segundo Martinelli (2012, p.26), o príncipe-arcebispo
“comandava a cidade com mãos de ferro e (...) se mostrou especialmente
impaciente e irredutível para com os ímpetos de seu jovem serviçal”. Foi então
para Mannheim com sua mãe, porém não lhe foi oferecida nenhuma função nos
quatro meses que ali ficou. Nessa viagem, então com 21 anos, ficou amigo de
vários músicos da orquestra local e apaixonou-se pela soprano Aloysia Weber.
Mozart pretendia levá-la à Itália e torná-la uma diva e em função desta relação
adiou diversas vezes sua ida a Paris. Não se sabe se essa paixão era
correspondida, mas é certo de que o romance não frutificou. Nas
correspondências de seu pai, verifica-se uma irritação e preocupação de Leopold
com a falta de objetividade de seu filho e sua falta de responsabilidade com
dinheiro. A respeito desta característica do jovem Mozart, Candé diz:
(...)
a personalidade de Mozart está em contradição com a ideia que se faz do gênio.
Pequenino, magro, pálido, nervoso, com uma abundante cabeleira loura de que
muito se orgulha e que penteia todas as manhãs às seis horas, é extremamente
sociável, brinca com tudo (nem sempre de maneira muito fina) e, saindo da
música, só se interessa por futilidades. Não consegue suportar ficar sozinho,
salvo nos longos passeios a cavalo que seu médico lhe aconselha. Gosta de
jantar fora, dançar, jogar bilhar ou malha, receber visitas. Desde a infância,
manifesta uma notável aptidão para a felicidade. (2001, p. 615)
Em 1778, com sua mãe, viajou
novamente a Paris, no entanto não foi recebido com o mesmo êxtase de quando
ainda era um pequeno prodígio. Ali compôs sua Sinfonia nº 31 “Paris”, porém era
demasiadamente elaborada para o gosto local. Para piorar, sua mãe adoeceu e
veio a falecer. Candé (2001, p. 615) escreve que “a morte da mãe em Paris, em
condições particularmente penosas, não é sentida como uma “desgraça”, mas como
a “privação da felicidade”, que é necessário reconquistar a qualquer preço”.
Mozart lentamente retornou para Salzburgo onde conseguiu emprego novamente na
corte do príncipe-arcebispo. Nos dois anos seguintes compôs obras sacras,
sinfonias, concertos, serenatas e músicas dramáticas, contudo sua ambição
principal era a ópera, obtendo sucesso com Idomeneo,
uma ópera dramática encomendada para Munique.
Os anos que se seguiram foram muito
conturbados, com diversas situações onde Mozart sentiu-se humilhado diante das
atitudes do príncipe-arcebispo, que se recusava em deixá-lo apresentar-se nos
eventos onde o imperador estaria presente. Em 1781, Mozart foi despedido e
mudou-se para Viena, porém sem onde ficar, acabou se hospedando na casa dos
Webers, que em 1779 haviam se mudado para lá em função do sucesso de Aloysia,
que agora cantava no Singspiel Nacional,
e estava casada.
Ainda em 1781, Mozart encontrou-se
pela primeira vez com Haydn, que era 24 anos mais velho que ele. Mozart
aprendeu muitas das possibilidades de forma e expressão com Haydn. Mais tarde
Mozart lhe dedicou seis quartetos.
Mudando constantemente de casa, e
após muitas dificuldades, principalmente financeiras, Mozart casou-se, em 1782,
com a soprano Constanze, irmã mais nova de Aloysia. Martinelli (2012, p. 27)
revela que “toda a criatividade e a produtividade não foram suficientes para
que Mozart pudesse viver em sossego em Viena, e ele, frequentemente, viu-se
afogado em dívidas e em desgastantes negociações com agiotas”. Mozart viveu em
Viena todo o resto de sua vida, fazendo várias viagens, entre elas a Salzburgo,
em 1783, para apresentar a esposa à família. Em 1784, finalmente tem sua
iniciação na maçonaria, que influenciou seu pensamento e suas composições nos
últimos anos de sua vida, com A Flauta
Mágica, que segundo Lord e Snelson (2008, p. 47), é “um conto de fadas em cujo
enredo o conhecimento esclarecido triunfando sobre a treva da ignorância
denuncia não só a lealdade de Mozart para com a Maçonaria, como as tendências
do pensamento iluminista em geral”. O Dicionário Grove de Música apresenta o
fim da vida de Mozart da seguinte maneira:
Ao
morrer, de uma febre cuja natureza precisa deu margem a muitas especulações
(não foi envenenado), deixou inacabado o Réquiem,
sua primeira obra em grande escala para igreja desde a Missa em dó menor de
1783, também inacabada; o acabamento dado por seu aluno Süssmayr foi aceito
durante muito tempo como padrão, mas houve tentativas recentes de aprimorá-lo.
Mozart foi enterrado num subúrbio de Viena, numa pequena cerimônia e em cova
sem identificação, de acordo com o costume então predominante. (1994, p. 627)
Haydn, então em Londres, em meio ao
seu primeiro sucesso na cidade lamentou eloquentemente a perda de Mozart. “A
posteridade jamais verá um talento como o seu, nem em cem anos”, escreveu ele a
Marianne von Genzinger. Lockwood (2005, p. 72) completa que “os melhores
jornalistas lamentaram a perda de um “mestre acima de todos os mestres”, como
um deles expressou doze dias depois da morte de Mozart. Nos anos seguintes, uma
onda de admiração por Mozart cresceu, acompanhada de vários concertos de suas
obras”.
Em 1820, com seu segundo marido,
Constanze se mudou para Salzburgo, onde reencontrou com a irmã de Mozart. Nessa
ocasião ela lhe deu as cartas das correspondências entre Mozart e seu pai (que
morrera em 1787), o que ajudou na composição da biografia que estava escrevendo
sobre o menino prodígio que se tornara o gênio morto aos 35 anos.
BEETHOVEN
Ludwig van Beethoven (17 de dezembro
de 1770 – 26 de março de 1827) herdou o nome de seu avô vindo da Holanda e que
tinha sido diretor musical da corte do Eleitor Maximilian Friedrich, em Bonn.
Filho de Johann van Beethoven, que também era músico, e Maria Magdalena
Kewerich, que era viúva e já tivera um filho que morreu. O velho Ludwig não
aprovava o casamento de seu filho, casamento este que foi marcado pelo
sofrimento e necessidade da esposa ser a matriarca, com um marido escondido na
sombra do pai, e afundado no álcool.
Solomon (1987) afirma que existem
grandes provas do efeito crucial sobre os primeiros anos de vida de Beethoven
das tensões e conflitos na sua família, onde o modelo natural de pai tinha sido
derrubado de seu pedestal, a monumentalização do avô assumiu proporções
heroicas, o que afetou profundamente a atitude de Johann em relação a seu
filho. Após a morte do avô, Maria Magdalena tentava moldar o filho à imagem e
semelhança do avô.
Johann percebeu que o pequeno Ludwig
era dotado de dom musical, e, bem intencionado pelo futuro de Beethoven,
imaginou que poderia repetir com seu filho a mesma conduta que Leopold Mozart
tivera com Wolfgang. Freitas Neto (2008, p. 21) mostra que Johann, “alimentando
aquele propósito acreditava que, logo o menino estivesse em condições, o
levaria a percorrer todos os grandes centros musicais da Europa, apresentando-o
como novo prodígio”.
Johann era austero e grosseiro em
sua maneira de ensinar piano para Ludwig, além de passar dos limites de tempo
de estudo. Para piorar, estava sempre bebendo. Ficava até tarde da noite
bebendo com seu amigo, o ator Tobias Friedrich Peiffer, e quando chegavam em
casa interrompiam o sono do garoto para obrigá-lo a ter aulas até de madrugada.
Na ansiedade de obter um prodígio, Johann trocou várias vezes os professores de
seu filho. Apesar de tudo isso ter acontecido num período de curta duração, não
foi bem coordenado, por isso mesmo o aproveitamento não atingiu o nível que era
de se esperar.
Em Bonn, Beethoven teve aula com
Christian Gottlob Neefe, considerado por Lockwood como o único professor
importante de Beethoven:
Embora
não fosse um compositor de talento, era um professor devotado e um crítico
feroz das tendências musicais correntes, que não se comparavam aos padrões de
engenho e arte que havia trazido de sua formação em Leipzig onde, antes da
época de Neefe, J. S. Bach tinha sido a figura dominante. Tais padrões de
excelência significavam uma ênfase nos princípios de composição estritos,
inclusive da fuga na forma como tinha sido codificada (...). (2005, p. 51-52)
As primeiras composições conhecidas
de Beethoven foram produzidas sob a orientação de Neefe. Solomon (1987, p. 55)
afirma que as variações, sonatas, e lieder foram “rapidamente publicadas com a
atenção deliberadamente atraída para a pouca idade do autor. Era um jovem
candidato a prodígio, aplicando-se industriosamente a uma vocação de
compositor”.
Intensificou os estudos e estimulou
o aluno à apreciação dos trabalhos de Klopstock, Schiller, Shakespeare e
Goethe. Impressionado como Beethoven executava Mozart, também o orientou para
que estudasse atentamente O Cravo Bem Temperado, de Bach, e as sonatas de seu
filho Karl Philipp.
Fez amizade com o conde Waldstein,
que o enviou a Viena para ter aulas com Joseph Haydn, ocasião em que teve a
oportunidade de conhecer Mozart e receber dele algumas aulas, porém precisou
voltar muito pouco tempo depois, assistindo a morte de sua mãe e tomando o
posto de chefe da família, lutando contra dificuldades financeiras, visto que
seu pai havia perdido o emprego em função do seu alcoolismo. Dedicou, então,-se
ao estudo de Literatura, tendo seu primeiro contato com o iluminismo, e com o
movimento literário Sturm und Drang,
onde um de seus melhores amigos, Friedrich Schiller, foi um dos líderes mais
proeminentes.
A Revolução Francesa de 1788 sob o
comando de Napoleão Bonaparte havia deixado em Beethoven, agora com 18 anos, a
convicção de que se tratava de um movimento com propósitos libertários, dando a
Napoleão uma figura de seu maior respeito e confiança. Beethoven sonhava com a
esperança de que seria estabelecida a liberdade para todas as atividades
humanas, principalmente para os compositores que vinham produzindo em função da
igreja. Como Candé (2001, p. 627) acrescenta, Beethoven “é o primeiro músico
cuja função de criador é assumida e não delegada”.
Em 1791, Beethoven aproveitou a
visita que Haydn fazia ao Eleitor Leopold II, em Bonn, para executar as duas
cantatas que havia composto por solicitação de pessoas de destaque do meio
cultural, em homenagem ao Eleitor Joseph II, que falecera em 1790, e ao seu
sucessor. Haydn ficou impressionado com a capacidade de Beethoven, e se propõe
a dar aulas para o jovem, caso decidisse residir em Viena. Freitas Neto (2008,
p. 27) observa que “estava deste modo aberta mais uma oportunidade para que
Beethoven realizasse o sonho de aprimorar seus conhecimentos com mestres
consagrados e tornar-se um compositor ao nível dos melhores”.
Um ano após a morte de Mozart,
Beethoven decidiu voltar para Viena, onde, exceto por algumas viagens, continuou
para o resto da vida. Lockwood ressalta esta ocasião:
Nenhum
documento dos primeiros anos de vida de Beethoven é mais revelador, ou mais
frequentemente citado, do que um registro feito pelo jovem conde Waldstein em
seu diário pessoal em novembro de 1792, quando Beethoven se preparava para
partir de Bonn:
Querido Beethoven! Você está
partindo para Viena, para realizar um desejo há muito frustrado. O espírito
guardião de Mozart está de luto e chora a perda de seu discípulo. Ele encontrou
refúgio no inesgotável Haydn, mas não uma ocupação; através dele, quer se unir
a outro. Com [sua] perseverança incessante, você receberá o espírito de Mozart
das mãos de Haydn. (2005, p. 72 – grifo do autor)
As lições de contraponto com Haydn
não duraram muito tempo, mas Beethoven continuou estudando com Johann
Albrechtsberger, Antonio Salieri e Foerster. Alojado na residência do príncipe
Lichnowsky, foi introduzido na sociedade artística, o que ajudou a consolidar
sua reputação de pianista e encontrar patronos em meio à aristocracia vienense.
Logo passou a desfrutar o sucesso como virtuose do piano, tocando mais em
residências particulares ou palácios do que em público. Sobre o gênero e o
estilo do período clássico, Grout & Palisca (2007, p. 546) mostram que “as
circunstâncias externas e a força do próprio génio (sic) levaram-no a
transformar esta herança e fizeram dele a origem de muito do que veio a
caracterizar o período romântico”.
Com pouco mais de 30 anos, Beethoven
começou a ficar surdo, passando, então, por uma crise profunda, fechando-se num
isolamento em que teria pensado até mesmo no suicídio. Isaacs e Martin (1985,
p. 38) afirmam que “de maneira característica, superou essa amargura para
entrar em seu período “heroico” (1803-12) como compositor, produzindo as
Sinfonias nº 2 a 6 (incluindo a sinfonia Heróica,
1803-04, e a sinfonia Pastoral,
1808)”. Foi nesse período que compôs sua única ópera, Fidelio, em cuja personagem Leonore pode-se ver a imagem elevada
que Beethoven tinha do sexo feminino, porém nunca encontrou a sua heroína na
vida real, embora tenha se apaixonado várias vezes, e em todas as vezes fora
rejeitado. Escreveu uma carta de amor à “Amada Imortal”, mas não se sabe quem
deveria ter recebido a correspondência, visto que há uma grande probabilidade da
carta nunca ter sido enviada.
O sofrimento pessoal de Beethoven e
sua orgulhosa independência fizeram dele o modelo do artista romântico,
combinando o uso de formas clássicas com uma nova profundidade de expressão
pessoal. Beethoven influenciou imensamente a música. Ao morrer, em 26 de março
de 1827, estava trabalhando numa nova sinfonia. Vinte mil cidadãos vienenses
compareceram às ruas para seu funeral três dias depois. Ao contrário dos
mestres da geração anterior, Beethoven nunca foi um músico exclusivo da
nobreza. Foi precursor do artista como patrimônio de toda a humanidade.
CONCLUSÃO
“O
espírito guardião de Mozart está de luto e chora a perda de seu discípulo. Ele
encontrou refúgio no inesgotável Haydn, mas não uma ocupação; através dele,
quer se unir a outro” (Lockwood, 2005, p. 72).
Lockwood (2005) avalia que o
registro do conde Waldstein, que transmite essa reverência por Mozart, o novo
herói que havia partido, é injusto para com Haydn, que, embora “inesgotável”, é
reconhecido não por sua grandeza, mas apenas como veículo do espírito de
Mozart. Nessas anotações feitas pelo conde, o legado de Mozart não é apenas o
vago reconhecimento de um potencial, mas uma esperança de que Beethoven
chegasse ao nível de Mozart e assumisse a liderança do mundo musical no futuro.
Como Haydn já estava com idade avançada, os patronos da época não enxergavam
nele uma liderança do mundo musical. Beethoven poderia garantir a salvação da
música como arte de maior grandeza.
Por outro lado Candé (2001, p. 623)
afirma que “Mozart não modificou o curso da história da música, como Haydn ou
Beethoven. Ele não procurou transformar a herança, mas contentou-se com dominar
prodigiosamente as formas e as técnicas aprendidas”.
Embora a história tenha tentado
comparar esses três grandes músicos, a verdade é que eles se respeitavam, ainda
que da maneira deles. Cada um possui características que se parecem mas também
que se distinguem. Candé cita sobre esse respeito:
No
dia 27 de março de 1808, A Criação é
executada solenemente sob a regência de Salieri na aula magna da Universidade de Viena, em presença do velho mestre
enfermo, numa verdadeira apoteose. A emoção de Haydn é tal, que ele tem que
sair da sala depois da primeira parte; então, Beethoven corre até ele para
beijar-lhe as mãos. Alguns meses depois, o mesmo Beethoven dá a primeira
audição de sua Quinta e Sexta Sinfonias e de seu Concerto nº 4, em meio ao estupor geral.
(2001, p. 614 – grifos do autor)
Ainda sobre as obras de Haydn,
Goethe exprime a qualidade emocional que sente:
“Em
contato com elas, sinto uma tendência involuntária a fazer o que me parece ser
o bem e como que devendo agradar a Deus. Essa sensação é independente da minha
reflexão, e a paixão nada tem a ver com ela. (Suas sinfonias e seus quartetos)
são a língua ideal da verdade.” (BARBAUD, 1957 apud CANDÉ, 2001, p. 613-614)
REFERÊNCIAS
BENNET. Roy. Uma
breve história da música. Tradução de Maria Teresa Resende Costa. Rio de
Janeiro: Zahar Editora, 1986.
CANDÉ, Roland. História
universal da música: voluma I. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de Ouro da História da Música: da Idade Média ao Século XX.
7. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
FREITAS NETO, Luiz Antonio de. A vida de Ludwig van Beethoven. Salvador, BA: Freitas Neto, 2008.
GROUT, D.J. & PALISCA, C.V. História da Música Ocidental. Tradução de Ana Luísa Faria. 5. ed.
Lisboa: Gadiva, 2007.
INFOPÉDIA: infopedia.pt. Disponível em: <http://
www.infopedia.pt/$franz-joseph-haydn>. Acesso em 01 abr 2013.
ISAACS, Alan. MARTIN, Elizabeth. Dicionário de Música. Tradução de
Álvaro Cabral. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1985.
LOCKWOOD, Lewis. Beethoven: a música e a vida. Tradução de Lúcia Magalhães e
Graziella Somaschini. 2. ed. São Paulo: Códex, 2005.
LORD, Maria. SNELSON, John. História da Música: da antiguidade aos nossos dias. Tradução de
Manuel Alberto Vieira. Alemanha: Tanem Verlag GmbH, 2008.
LOVELOCK, William. História concisa da música. Tradução de Álvaro Cabral. 2. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2001.
MARTINELLI, Leonardo. Mozart. Concerto, São Paulo, Janeiro/Fevereiro 2012, p. 26-27, jan/fev
2012.
NATIONMASTER: nationmaster.com. Disponível em
<http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Luigia-Polzelli>. Acesso em 01
abr 2013.
SADIE, Stanley (ed.) Dicionário Grove de Música (edição concisa). Tradução de Eduardo F.
Alves. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1994.
SOLOMON, Maynard. Beethoven: vida e obra. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro:
Zahar Editora, 1987.
WIKIPEDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation.
Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Wikip%C3%A9dia&oldid=15762238>.
Acesso em 01 abr 2013.
[1]
Disponível em < http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Luigia-Polzelli>
Acesso em 01 abr 2013. (Tradução nossa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário