Haydn, Mozart e Beethoven



Trabalho de pesquisa apresentado ao curso de Licenciatura em Música da Faculdade Nazarena do Brasil como parte dos créditos exigidos na disciplina de História da Música II sob a orientação da Profª. Nívia Zumpano.

INTRODUÇÃO

            O Classicismo tem sua representação máxima nas obras dos três grandes compositores que viveram num momento e espaço em comum, Viena. Haydn, Mozart, e Beethoven, aqui relacionados desta forma pura e simplesmente pela ordem cronológica de nascimento, e não em ordem de valor.
            Escolhemos definir um único aspecto neste trabalho de pesquisa, que foi levantar dados biográficos e históricos desses três gênios musicais, sem entrar em análises de formas ou técnicas de composição. Ainda dentro do aspecto biográfico, nosso foco foi trazer aspectos principalmente de suas infâncias, que possivelmente marcaram suas características, como a simplicidade da família de Haydn, o perfeccionismo de Leopold Mozart e a ansiedade avassaladora do pai de Beethoven.
            Tentamos facilitar o entendimento desses aspectos comparando a linha de tempo de suas vidas como uma forma sonata. Inicialmente, a Exposição de quem são, com o princípio de suas vidas como o primeiro tema na Tônica. As experiências que lhes marcaram a vida, o segundo tema na Dominante. Sua história, o Desenvolvimento, tenha sido ele livre ou não, mas sempre trazendo as lembranças de quem são. E já no fim de suas vidas, longas ou curtas, com o acúmulo de experiências, alegrias e dissabores, Recapitulam-se todos os temas na Tônica da vida, que nunca deixou de existir.


HAYDN
           
            Franz Joseph Haydn (31 de março de 1732 – 31 de maio de 1809) veio de uma família de artesãos. Seu pai, Matthias Haydn, era fabricante de roda de carros e sua mãe, Maria Koller, era cozinheira. Dos doze filhos do casal, Joseph era o segundo, e seu irmão Michael era o sexto. Iniciou sua vida musical como menino de coro na catedral de Viena, onde aprendeu a tocar vários instrumentos e adquiriu mais conhecimentos musicais. Segundo Candé (2001, p. 612), o menino destacava-se “por suas travessuras. Depois da muda de voz, suas habituais brincadeiras forneceram um bom pretexto para sua expulsão”. Em 1749, com praticamente 18 anos, Haydn ficou sem trabalho e viveu na miséria, chegando a morar na rua, passando a tocar em tavernas e em serenatas de rua.
            Como autodidata, estudou teoria musical e composição, principalmente através das obras de Carl Phillip Emmanuel Bach e, introduzindo-se nos meios intelectuais, passou, a partir de 1753, a ser secretário e acompanhante das aulas de canto dadas por Niccolò Porpora, que lhe ensinou os fundamentos da composição. Conheceu, então, o barão Karl Joseph von Fürnberg, um nobre amante de música, para cujos instrumentistas escreveu seus primeiros Quartetos para Cordas. Em 1758, através de uma recomendação de von Fürnberg, Haydn passou a compor para a orquestra particular do conde boêmio Ferdinand Maximilian von Morzin, onde recebeu seu primeiro cargo importante, como Kapellmeister. Dirigindo a orquestra de câmara do conde, escreveu suas primeiras sinfonias. Além dessa função, Haydn torna-se professor de música, época em que se apaixona pela filha de um peruqueiro, Theresa Keller, que já estava destinada ao convento. Acabou então se casando com sua irmã, Maria Anna Keller. Desta época, e desse casamento, conta Carpeaux:

Livrou-o da pior miséria o casamento com uma filha de pequeno-burguês vienense; mas a incompatibilidade de gênios condenou esse casamento a um fracasso doloroso, verdadeiro martírio vitalício do músico, embora vivesse separado da mulher. (2005, p. 144)
           
            Sobre seu casamento, ainda, Lovelock acrescenta:

É extraordinário que Haydn, casado com uma megera que, como ele mesmo disse, “não queria saber se o marido era um artista ou um sapateiro”, pôde escrever tanta música de natureza feliz e descuidada. Como compositor, deve ter sido capaz de encerrar-se num mundo mental unicamente seu. (2001, p. 178)

            Não demorou muito tempo até ser convidado a prestar serviços para o príncipe Nikolaus Esterházy, de uma das mais importantes famílias húngaras. Ali foi diretor de um conjunto de quinze a vinte músicos, com responsabilidade sobre a música e os instrumentos, devendo compor sempre que o principie o solicitasse e somente para ele. Segundo o Dicionário Grove de Música (1994, p. 416) “Haydn só podia escrever para outros que não os Esterházy mediante permissão”, embora recebesse encorajamento para escrever como sentisse e desejasse. Separado da mulher, Haydn passou a viver no palácio de Esterházy, onde conheceu Luigia Polzelli, de quem se tornou amante. Karl Geringer, em seu livro Haydn: a criative life in music, explica a importância deste episódio.

Luigia Polzelli foi uma soprano Italiana, que cantou na corte de Esterházy na Hungria durante o final do século 18. Ela foi durante muitos anos a amante do compositor Joseph Haydn.
Polzelli chegou à corte de Esterházy com seu marido Antonio em 1779. Ela logo se revelou uma cantora particularmente incapaz. Mais ainda, seu marido podia cantar muito menos, pois estava nos estágios iniciais de uma morte lenta de tuberculosa. O príncipe, Nikolaus Esterházy era um grande conhecedor de opera que estava bem familiarizado com a alta qualidade vocal, e reconhecendo o quanto eram medíocres ele logo decidiu a dispensá-los. No entanto, naquele tempo surgiu a história de que aquela Polzelli tornara-se amante de Haydn, que tinha um péssimo relacionamento com sua esposa quase que desde o começo de seu casamento. O Príncipe, que valorizava imensamente os serviços de Haydn, aparentemente concordou em manter os Polzellis na lista de pagamento. (Este não era o primeiro favor feito a Haydn: o Príncipe havia anteriormente concordado (1766) em manter o irmão mais novo do compositor, Johann Evangelist Haydn, que também era um cantor medíocre, na lista de pagamento).
O relacionamento entre Haydn e Polzelli continuou por mais de dez anos, até depois da morte de Antonio em 1790, eventualmente esfriando depois que Haydn escolheu não levar Luigia consigo em sua primeira viagem a Londres em 1791.
Polzelli é de importância para a biografia de Haydn, já que um número de cartas para ela está preservado, contendo informações sobre o compositor.[1]

            Enquanto ainda morava em Esterházy, Haydn fez algumas curtas viagens a Viena, fazendo amizade com os Mozarts, e sendo iniciado na maçonaria sob a influência de Leopold Mozart. Essa amizade também influenciou sutilmente suas obras posteriores. Sobre o encontro com Mozart, Candé cita a Carta à Ópera de Praga, de 1787, de Haydn:

Pode-se dificilmente fazer boa figura ao lado do grande Mozart. Se eu pudesse imprimir na alma de cada amante da música, principalmente na dos grandes deste mundo, o que compreendo e o que sinto diante dos inimitáveis trabalhos de Mozart, as nações rivalizariam para possuir tal joia dentro de suas fronteiras... Censuro-me pelo fato de Mozart, esse ser único, ainda não estar ligado a uma corte imperial ou real! Desculpai-me por ter esquecido o tema da minha carta, mas amo esse homem. (2005, p. 144)

            Quando o príncipe morreu, em 1790, os músicos da corte de Esterházy foram demitidos. Haydn, entretanto foi mantido no palácio, mas com a liberdade de morar em Viena e também de viajar, aceitando um convite do empresário J. P. Salomon para ir a Londres, onde lhe encomendou 12 sinfonias, as chamadas Sinfonias Salomon, ou Sinfonias de Londres, obras que deixaram em evidência a maturidade do agora grande mestre. Em 5 de dezembro de 1791, quando morreu Mozart, Haydn, que ainda se encontrava em Londres, passou a figurar como o maior músico compositor da Áustria, e em Viena o consideravam como o sucessor daquele gênio. No verão do ano seguinte, Haydn passou em Bonn para visitar o Eleitor Leopold II, quando teve um encontro com Ludwig von Beethoven. Nessa ocasião, o músico alemão de apenas 21 anos, executou duas cantatas que havia composto por solicitação de pessoas de destaque do meio cultural. Freitas Neto (2008) conta que isso foi o suficiente para que Haydn tivesse uma excelente impressão da capacidade de Beethoven, propondo a tê-lo como aluno caso decidisse residir em Viena. Ao voltar, Haydn passou a morar em Viena, onde permaneceu até sua morte em 1809, como Lovelock (2001, p. 178) ressalta, “famoso e homenageado em toda a Europa”. Numa cerimônia, em 15 de junho de 1809, o Requiem de Mozart foi executado em sua memória.


MOZART

            Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart, ou simplesmente Wolfgang Amadeus Mozart, (27 de janeiro de 1756 – 5 de dezembro de 1791) era o sétimo e filho caçula de Leopold Mozart e Anna Maria Pertl. De todos os filhos, somente ele e sua irmã Maria Anna, sobreviveram à infância. Leopold, que já era conhecido como compositor e violinista, deu ao casal de filhos uma educação minuciosa, inevitavelmente centrada na música. Desde os três anos, assistindo às aulas de cravo da irmã, que também era musicalmente dotada, o pequeno Mozart mostrou seu talento musical desde cedo, procurando no teclado “as notas que se amam”, e aos cinco anos já estava compondo minuetos. Aos 6 anos de idade, os dois irmãos percorreram toda a Europa até a Inglaterra como crianças prodígios, e Mozart assombrou as plateias com seus dotes precoces. Leopold inseriu Mozart no mercado musical como uma força adicional de trabalho e fonte de obtenção de riqueza – o que era comum na época.
            Nos vinte anos que se seguiram, Mozart viajou muito, e em cada lugar que ia escrevia obras musicais, como óperas, serenatas e sinfonias. Lord e Sneldon (2008, p. 46) concluem que “o contacto (sic) com diferentes músicas e os encontros com outros compositores, em particular com Johann Christian Bach, influenciaram o estilo que vinha desenvolvendo”. De 1774 a 1777, viveu em Salzburgo, trabalhando como konzertmeister na corte do príncipe-arcebispo, porém via suas oportunidades limitadas. Embora Salzburgo fosse uma cidade importantíssima para os amantes da música, em nada se comparava ao ar cosmopolita da capital do império, Viena. Segundo Martinelli (2012, p.26), o príncipe-arcebispo “comandava a cidade com mãos de ferro e (...) se mostrou especialmente impaciente e irredutível para com os ímpetos de seu jovem serviçal”. Foi então para Mannheim com sua mãe, porém não lhe foi oferecida nenhuma função nos quatro meses que ali ficou. Nessa viagem, então com 21 anos, ficou amigo de vários músicos da orquestra local e apaixonou-se pela soprano Aloysia Weber. Mozart pretendia levá-la à Itália e torná-la uma diva e em função desta relação adiou diversas vezes sua ida a Paris. Não se sabe se essa paixão era correspondida, mas é certo de que o romance não frutificou. Nas correspondências de seu pai, verifica-se uma irritação e preocupação de Leopold com a falta de objetividade de seu filho e sua falta de responsabilidade com dinheiro. A respeito desta característica do jovem Mozart, Candé diz:

(...) a personalidade de Mozart está em contradição com a ideia que se faz do gênio. Pequenino, magro, pálido, nervoso, com uma abundante cabeleira loura de que muito se orgulha e que penteia todas as manhãs às seis horas, é extremamente sociável, brinca com tudo (nem sempre de maneira muito fina) e, saindo da música, só se interessa por futilidades. Não consegue suportar ficar sozinho, salvo nos longos passeios a cavalo que seu médico lhe aconselha. Gosta de jantar fora, dançar, jogar bilhar ou malha, receber visitas. Desde a infância, manifesta uma notável aptidão para a felicidade. (2001, p. 615)

            Em 1778, com sua mãe, viajou novamente a Paris, no entanto não foi recebido com o mesmo êxtase de quando ainda era um pequeno prodígio. Ali compôs sua Sinfonia nº 31 “Paris”, porém era demasiadamente elaborada para o gosto local. Para piorar, sua mãe adoeceu e veio a falecer. Candé (2001, p. 615) escreve que “a morte da mãe em Paris, em condições particularmente penosas, não é sentida como uma “desgraça”, mas como a “privação da felicidade”, que é necessário reconquistar a qualquer preço”. Mozart lentamente retornou para Salzburgo onde conseguiu emprego novamente na corte do príncipe-arcebispo. Nos dois anos seguintes compôs obras sacras, sinfonias, concertos, serenatas e músicas dramáticas, contudo sua ambição principal era a ópera, obtendo sucesso com Idomeneo, uma ópera dramática encomendada para Munique.
            Os anos que se seguiram foram muito conturbados, com diversas situações onde Mozart sentiu-se humilhado diante das atitudes do príncipe-arcebispo, que se recusava em deixá-lo apresentar-se nos eventos onde o imperador estaria presente. Em 1781, Mozart foi despedido e mudou-se para Viena, porém sem onde ficar, acabou se hospedando na casa dos Webers, que em 1779 haviam se mudado para lá em função do sucesso de Aloysia, que agora cantava no Singspiel Nacional, e estava casada.
            Ainda em 1781, Mozart encontrou-se pela primeira vez com Haydn, que era 24 anos mais velho que ele. Mozart aprendeu muitas das possibilidades de forma e expressão com Haydn. Mais tarde Mozart lhe dedicou seis quartetos.
            Mudando constantemente de casa, e após muitas dificuldades, principalmente financeiras, Mozart casou-se, em 1782, com a soprano Constanze, irmã mais nova de Aloysia. Martinelli (2012, p. 27) revela que “toda a criatividade e a produtividade não foram suficientes para que Mozart pudesse viver em sossego em Viena, e ele, frequentemente, viu-se afogado em dívidas e em desgastantes negociações com agiotas”. Mozart viveu em Viena todo o resto de sua vida, fazendo várias viagens, entre elas a Salzburgo, em 1783, para apresentar a esposa à família. Em 1784, finalmente tem sua iniciação na maçonaria, que influenciou seu pensamento e suas composições nos últimos anos de sua vida, com A Flauta Mágica, que segundo Lord e Snelson (2008, p. 47), é “um conto de fadas em cujo enredo o conhecimento esclarecido triunfando sobre a treva da ignorância denuncia não só a lealdade de Mozart para com a Maçonaria, como as tendências do pensamento iluminista em geral”. O Dicionário Grove de Música apresenta o fim da vida de Mozart da seguinte maneira:

Ao morrer, de uma febre cuja natureza precisa deu margem a muitas especulações (não foi envenenado), deixou inacabado o Réquiem, sua primeira obra em grande escala para igreja desde a Missa em dó menor de 1783, também inacabada; o acabamento dado por seu aluno Süssmayr foi aceito durante muito tempo como padrão, mas houve tentativas recentes de aprimorá-lo. Mozart foi enterrado num subúrbio de Viena, numa pequena cerimônia e em cova sem identificação, de acordo com o costume então predominante. (1994, p. 627)

            Haydn, então em Londres, em meio ao seu primeiro sucesso na cidade lamentou eloquentemente a perda de Mozart. “A posteridade jamais verá um talento como o seu, nem em cem anos”, escreveu ele a Marianne von Genzinger. Lockwood (2005, p. 72) completa que “os melhores jornalistas lamentaram a perda de um “mestre acima de todos os mestres”, como um deles expressou doze dias depois da morte de Mozart. Nos anos seguintes, uma onda de admiração por Mozart cresceu, acompanhada de vários concertos de suas obras”.
            Em 1820, com seu segundo marido, Constanze se mudou para Salzburgo, onde reencontrou com a irmã de Mozart. Nessa ocasião ela lhe deu as cartas das correspondências entre Mozart e seu pai (que morrera em 1787), o que ajudou na composição da biografia que estava escrevendo sobre o menino prodígio que se tornara o gênio morto aos 35 anos.


BEETHOVEN

            Ludwig van Beethoven (17 de dezembro de 1770 – 26 de março de 1827) herdou o nome de seu avô vindo da Holanda e que tinha sido diretor musical da corte do Eleitor Maximilian Friedrich, em Bonn. Filho de Johann van Beethoven, que também era músico, e Maria Magdalena Kewerich, que era viúva e já tivera um filho que morreu. O velho Ludwig não aprovava o casamento de seu filho, casamento este que foi marcado pelo sofrimento e necessidade da esposa ser a matriarca, com um marido escondido na sombra do pai, e afundado no álcool.
            Solomon (1987) afirma que existem grandes provas do efeito crucial sobre os primeiros anos de vida de Beethoven das tensões e conflitos na sua família, onde o modelo natural de pai tinha sido derrubado de seu pedestal, a monumentalização do avô assumiu proporções heroicas, o que afetou profundamente a atitude de Johann em relação a seu filho. Após a morte do avô, Maria Magdalena tentava moldar o filho à imagem e semelhança do avô.
            Johann percebeu que o pequeno Ludwig era dotado de dom musical, e, bem intencionado pelo futuro de Beethoven, imaginou que poderia repetir com seu filho a mesma conduta que Leopold Mozart tivera com Wolfgang. Freitas Neto (2008, p. 21) mostra que Johann, “alimentando aquele propósito acreditava que, logo o menino estivesse em condições, o levaria a percorrer todos os grandes centros musicais da Europa, apresentando-o como novo prodígio”.
            Johann era austero e grosseiro em sua maneira de ensinar piano para Ludwig, além de passar dos limites de tempo de estudo. Para piorar, estava sempre bebendo. Ficava até tarde da noite bebendo com seu amigo, o ator Tobias Friedrich Peiffer, e quando chegavam em casa interrompiam o sono do garoto para obrigá-lo a ter aulas até de madrugada. Na ansiedade de obter um prodígio, Johann trocou várias vezes os professores de seu filho. Apesar de tudo isso ter acontecido num período de curta duração, não foi bem coordenado, por isso mesmo o aproveitamento não atingiu o nível que era de se esperar.
            Em Bonn, Beethoven teve aula com Christian Gottlob Neefe, considerado por Lockwood como o único professor importante de Beethoven:

Embora não fosse um compositor de talento, era um professor devotado e um crítico feroz das tendências musicais correntes, que não se comparavam aos padrões de engenho e arte que havia trazido de sua formação em Leipzig onde, antes da época de Neefe, J. S. Bach tinha sido a figura dominante. Tais padrões de excelência significavam uma ênfase nos princípios de composição estritos, inclusive da fuga na forma como tinha sido codificada (...). (2005, p. 51-52)

            As primeiras composições conhecidas de Beethoven foram produzidas sob a orientação de Neefe. Solomon (1987, p. 55) afirma que as variações, sonatas, e lieder foram “rapidamente publicadas com a atenção deliberadamente atraída para a pouca idade do autor. Era um jovem candidato a prodígio, aplicando-se industriosamente a uma vocação de compositor”.
            Intensificou os estudos e estimulou o aluno à apreciação dos trabalhos de Klopstock, Schiller, Shakespeare e Goethe. Impressionado como Beethoven executava Mozart, também o orientou para que estudasse atentamente O Cravo Bem Temperado, de Bach, e as sonatas de seu filho Karl Philipp.
            Fez amizade com o conde Waldstein, que o enviou a Viena para ter aulas com Joseph Haydn, ocasião em que teve a oportunidade de conhecer Mozart e receber dele algumas aulas, porém precisou voltar muito pouco tempo depois, assistindo a morte de sua mãe e tomando o posto de chefe da família, lutando contra dificuldades financeiras, visto que seu pai havia perdido o emprego em função do seu alcoolismo. Dedicou, então,-se ao estudo de Literatura, tendo seu primeiro contato com o iluminismo, e com o movimento literário Sturm und Drang, onde um de seus melhores amigos, Friedrich Schiller, foi um dos líderes mais proeminentes.
            A Revolução Francesa de 1788 sob o comando de Napoleão Bonaparte havia deixado em Beethoven, agora com 18 anos, a convicção de que se tratava de um movimento com propósitos libertários, dando a Napoleão uma figura de seu maior respeito e confiança. Beethoven sonhava com a esperança de que seria estabelecida a liberdade para todas as atividades humanas, principalmente para os compositores que vinham produzindo em função da igreja. Como Candé (2001, p. 627) acrescenta, Beethoven “é o primeiro músico cuja função de criador é assumida e não delegada”.
            Em 1791, Beethoven aproveitou a visita que Haydn fazia ao Eleitor Leopold II, em Bonn, para executar as duas cantatas que havia composto por solicitação de pessoas de destaque do meio cultural, em homenagem ao Eleitor Joseph II, que falecera em 1790, e ao seu sucessor. Haydn ficou impressionado com a capacidade de Beethoven, e se propõe a dar aulas para o jovem, caso decidisse residir em Viena. Freitas Neto (2008, p. 27) observa que “estava deste modo aberta mais uma oportunidade para que Beethoven realizasse o sonho de aprimorar seus conhecimentos com mestres consagrados e tornar-se um compositor ao nível dos melhores”.
            Um ano após a morte de Mozart, Beethoven decidiu voltar para Viena, onde, exceto por algumas viagens, continuou para o resto da vida. Lockwood ressalta esta ocasião:

Nenhum documento dos primeiros anos de vida de Beethoven é mais revelador, ou mais frequentemente citado, do que um registro feito pelo jovem conde Waldstein em seu diário pessoal em novembro de 1792, quando Beethoven se preparava para partir de Bonn:

Querido Beethoven! Você está partindo para Viena, para realizar um desejo há muito frustrado. O espírito guardião de Mozart está de luto e chora a perda de seu discípulo. Ele encontrou refúgio no inesgotável Haydn, mas não uma ocupação; através dele, quer se unir a outro. Com [sua] perseverança incessante, você receberá o espírito de Mozart das mãos de Haydn. (2005, p. 72 – grifo do autor)

            As lições de contraponto com Haydn não duraram muito tempo, mas Beethoven continuou estudando com Johann Albrechtsberger, Antonio Salieri e Foerster. Alojado na residência do príncipe Lichnowsky, foi introduzido na sociedade artística, o que ajudou a consolidar sua reputação de pianista e encontrar patronos em meio à aristocracia vienense. Logo passou a desfrutar o sucesso como virtuose do piano, tocando mais em residências particulares ou palácios do que em público. Sobre o gênero e o estilo do período clássico, Grout & Palisca (2007, p. 546) mostram que “as circunstâncias externas e a força do próprio génio (sic) levaram-no a transformar esta herança e fizeram dele a origem de muito do que veio a caracterizar o período romântico”.
            Com pouco mais de 30 anos, Beethoven começou a ficar surdo, passando, então, por uma crise profunda, fechando-se num isolamento em que teria pensado até mesmo no suicídio. Isaacs e Martin (1985, p. 38) afirmam que “de maneira característica, superou essa amargura para entrar em seu período “heroico” (1803-12) como compositor, produzindo as Sinfonias nº 2 a 6 (incluindo a sinfonia Heróica, 1803-04, e a sinfonia Pastoral, 1808)”. Foi nesse período que compôs sua única ópera, Fidelio, em cuja personagem Leonore pode-se ver a imagem elevada que Beethoven tinha do sexo feminino, porém nunca encontrou a sua heroína na vida real, embora tenha se apaixonado várias vezes, e em todas as vezes fora rejeitado. Escreveu uma carta de amor à “Amada Imortal”, mas não se sabe quem deveria ter recebido a correspondência, visto que há uma grande probabilidade da carta nunca ter sido enviada.
            O sofrimento pessoal de Beethoven e sua orgulhosa independência fizeram dele o modelo do artista romântico, combinando o uso de formas clássicas com uma nova profundidade de expressão pessoal. Beethoven influenciou imensamente a música. Ao morrer, em 26 de março de 1827, estava trabalhando numa nova sinfonia. Vinte mil cidadãos vienenses compareceram às ruas para seu funeral três dias depois. Ao contrário dos mestres da geração anterior, Beethoven nunca foi um músico exclusivo da nobreza. Foi precursor do artista como patrimônio de toda a humanidade.


CONCLUSÃO

            “O espírito guardião de Mozart está de luto e chora a perda de seu discípulo. Ele encontrou refúgio no inesgotável Haydn, mas não uma ocupação; através dele, quer se unir a outro” (Lockwood, 2005, p. 72).
            Lockwood (2005) avalia que o registro do conde Waldstein, que transmite essa reverência por Mozart, o novo herói que havia partido, é injusto para com Haydn, que, embora “inesgotável”, é reconhecido não por sua grandeza, mas apenas como veículo do espírito de Mozart. Nessas anotações feitas pelo conde, o legado de Mozart não é apenas o vago reconhecimento de um potencial, mas uma esperança de que Beethoven chegasse ao nível de Mozart e assumisse a liderança do mundo musical no futuro. Como Haydn já estava com idade avançada, os patronos da época não enxergavam nele uma liderança do mundo musical. Beethoven poderia garantir a salvação da música como arte de maior grandeza.
            Por outro lado Candé (2001, p. 623) afirma que “Mozart não modificou o curso da história da música, como Haydn ou Beethoven. Ele não procurou transformar a herança, mas contentou-se com dominar prodigiosamente as formas e as técnicas aprendidas”.
            Embora a história tenha tentado comparar esses três grandes músicos, a verdade é que eles se respeitavam, ainda que da maneira deles. Cada um possui características que se parecem mas também que se distinguem. Candé cita sobre esse respeito:

No dia 27 de março de 1808, A Criação é executada solenemente sob a regência de Salieri na aula magna da Universidade de Viena, em presença do velho mestre enfermo, numa verdadeira apoteose. A emoção de Haydn é tal, que ele tem que sair da sala depois da primeira parte; então, Beethoven corre até ele para beijar-lhe as mãos. Alguns meses depois, o mesmo Beethoven dá a primeira audição de sua Quinta e Sexta Sinfonias e de seu Concerto nº 4, em meio ao estupor geral. (2001, p. 614 – grifos do autor)
           
            Ainda sobre as obras de Haydn, Goethe exprime a qualidade emocional que sente:

“Em contato com elas, sinto uma tendência involuntária a fazer o que me parece ser o bem e como que devendo agradar a Deus. Essa sensação é independente da minha reflexão, e a paixão nada tem a ver com ela. (Suas sinfonias e seus quartetos) são a língua ideal da verdade.” (BARBAUD, 1957 apud CANDÉ, 2001, p. 613-614)

REFERÊNCIAS

BENNET. Roy. Uma breve história da música. Tradução de Maria Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1986.
CANDÉ, Roland. História universal da música: voluma I. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de Ouro da História da Música: da Idade Média ao Século XX. 7. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
FREITAS NETO, Luiz Antonio de. A vida de Ludwig van Beethoven. Salvador, BA: Freitas Neto, 2008.
GROUT, D.J. & PALISCA, C.V. História da Música Ocidental. Tradução de Ana Luísa Faria. 5. ed. Lisboa: Gadiva, 2007.
INFOPÉDIA: infopedia.pt. Disponível em: <http:// www.infopedia.pt/$franz-joseph-haydn>. Acesso em 01 abr 2013.
ISAACS, Alan. MARTIN, Elizabeth. Dicionário de Música. Tradução de Álvaro Cabral. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1985.
LOCKWOOD, Lewis. Beethoven: a música e a vida. Tradução de Lúcia Magalhães e Graziella Somaschini. 2. ed. São Paulo: Códex, 2005.
LORD, Maria. SNELSON, John. História da Música: da antiguidade aos nossos dias. Tradução de Manuel Alberto Vieira. Alemanha: Tanem Verlag GmbH, 2008.
LOVELOCK, William. História concisa da música. Tradução de Álvaro Cabral. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MARTINELLI, Leonardo. Mozart. Concerto, São Paulo, Janeiro/Fevereiro 2012, p. 26-27, jan/fev 2012.
NATIONMASTER: nationmaster.com. Disponível em <http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Luigia-Polzelli>. Acesso em 01 abr 2013.
SADIE, Stanley (ed.) Dicionário Grove de Música (edição concisa). Tradução de Eduardo F. Alves. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1994.
SOLOMON, Maynard. Beethoven: vida e obra. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editora, 1987.
WIKIPEDIA. Desenvolvido pela Wikimedia Foundation. Apresenta conteúdo enciclopédico. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Wikip%C3%A9dia&oldid=15762238>. Acesso em 01 abr 2013.



[1] Disponível em < http://www.nationmaster.com/encyclopedia/Luigia-Polzelli> Acesso em 01 abr 2013. (Tradução nossa)

Nenhum comentário:

Postar um comentário